“Epidemia” de necessidades educativas especiais

Tenho ouvido de diversas fontes preocupação com o que parece ser uma “epidemia” de necessidades educativas especiais. As referenciações crescem e os recursos parecem sempre insuficientes. Terá algum “vírus” de dificuldades de aprendizagem infetado as nossas crianças e adolescentes?

Sabemos que o sucesso escolar depende de uma miríade de fatores. Os mais óbvios serão o desenvolvimento cognitivo e o temperamento da criança, a riqueza das suas experiências, mas não são de desprezar o bem estar familiar, os horários adequados de trabalho, de lazer, de descanso e a disponibilidade de apoio/supervisão ao estudo. O ambiente escolar também é fundamental pela adequação dos programas, dos horários e da pedagogia.

Sobre estes e outros fatores possíveis, muitos comentários se poderão fazer de acordo com a experiência de cada um. Mas gostaria de chamar a atenção para três, como mote para uma eventual discussão mais alargada:

  1. Atualmente é cada vez mais reconhecido que as dificuldades de aprendizagem persistentes resultam, em grande parte, de perturbações específicas do neurodesenvolvimento e não apenas porque o aluno escolheu ficar distraído, ser preguiço e ter falta de vontade/motivação. Por este motivo, os alunos que mostram dificuldades de aprendizagem têm vindo a ser avaliados com maior celeridade por médicos e psicólogos, permitindo que sejam identificas as causas do insucesso escolar. Desta forma, podem ser implementadas medidas adequadas ao perfil de cada um, evitando retenções sucessivas e apoios pouco eficazes. Então, milagrosamente o empenho e a motivação melhoram! E sim, as perturbações do desenvolvimento são muito frequentes: atingem 12 a 15% das crianças segundo um estudo recente (ref. 1).
  2. Diversos programas escolares não estão adequados ao “aluno médio” de cada faixa etária – quero dizer, o aluno com competências de linguagem e abstração “médias”, maturidade “média”, com estrutura escolar “média” e com suporte familiar “médio”. Perdeu-se a noção do que são as competências esperadas para cada faixa etária. É mandatório que os especialistas do desenvolvimento e os professores que estão no terreno sejam, de facto, ouvidos quando são revistos os programas. O aumento do nível de exigência poderá parecer positivo no sentido de levar os alunos mais longe, mas só até certo ponto. Passado o ponto de equilíbrio, obriga a um esforço colossal das famílias para consolidar conteúdos que deveriam ser adquiridos na escola, principalmente nos primeiros anos. Quando é que as crianças poderão ser crianças e voltar a ter brincadeira livre depois da escola?
  3. O desfasamento dos programas aumenta as necessidades de apoio pedagógico. O resultado deste desfasamento é que o aluno “médio” fica em sobrecarga de trabalho e os alunos com mais desafios entram em insucesso escolar e desmotivação crescente, sendo forçados a engrossar as filas da educação especial para poderem usufruir do suporte de que necessitam. Estou convicto de que com programas mais adequados e melhores apoios fora do regime da educação especial, não seria necessário o número atual de referenciações.

O mote está lançado, partilhe esta mensagem e sua experiência. Apesar deste assunto mexer com as nossas emoções, vamos fazer comentários construtivos e sugestões práticas para combater esta “epidemia”.

Referências:

Boyle CA et al. Trends in the prevalence of developmental disabilities in US children, 1997-2008. Pediatrics. 2011 Jun;127(6):1034-42. doi: 10.1542/peds.2010-2989. Epub 2011 May 23.

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