Pediatria do Neurodesenvolvimento – o que é?
A Pediatria do Neurodesenvolvimento é um ramo da pediatria que se dedica à avaliação e vigilância do neurodesenvolvimento das crianças no sentido de prevenir ou diagnosticar as suas perturbações, de investigar as suas causas e de estabelecer planos de intervenção.
As preocupações mais frequentes que suscitam a avaliação estão relacionadas com a linguagem, a comunicação e interação social, a motricidade global e fina, o comportamento hiperativo, o défice de atenção e as dificuldades escolares.
Numa brevíssima resenha história, podemos lembrar Arnold Gesell (EUA 1880-1961), médico e psicólogo de formação, considerado o “pai” da Pediatria do Neurodesenvolvimento, Tendo fundado a Clínica de Desenvolvimento da Criança na Universidade de Yale, procedeu a uma série de observações de crianças identificando as sequências do desenvolvimento e o papel da maturação, conceitos que estiveram na base da elaboração das escalas de desenvolvimento.
Ronald Illingworth (1909-1990), pediatra inglês, teve a oportunidade de trabalhar com Gesell em Yale, sendo contagiado com a paixão pelo neurodesenvolvimento. Depois de regressar ao Reino Unido, foi nomeado Professor de Pediatria na Universidade de Sheffield, tendo oportunidade de introduzir o tema do desenvolvimento da criança no ensino da pediatria. Desta forma, foi pioneiro na integração da avaliação do neurodesenvolvimento no exame objetivo da criança, introduzindo também o conceito de rastreio.
T. Berry Brazelton (EUA 1918-2018), pediatra, destacou-se nos seus trabalhos de avaliação do recém-nascido e pela criação do modelo Touchpoints, com ênfase nas forças e vulnerabilidades da criança, com uma perspetiva de intervenção antecipatória, em linha com que entendemos hoje que deve ser a Intervenção Precoce.
A Society for Developmental and Behavioral Pediatrics, criada em 1982 nos EUA, teve um papel fundamental nesta área, promovendo a investigação e formação, com um número crescente de interessados, até à criação desta subespecialidade pediátrica em 1999.
Em Portugal, a partir de 1960, a pediatra Maria da Graça Andrada, após estudos de especialização na área da reabilitação pediátrica, dedicou-se à avaliação do desenvolvimento, acompanhamento e reabilitação de crianças com Paralisia Cerebral, que foi também o tema da sua tese de doutoramento.
A primeira consulta hospitalar de desenvolvimento foi criada em 1975 no Serviço de Pediatria do Hospital de Santa Maria (HSM) por João Gomes-Pedro e seus colaboradores, numa altura em que esta área da pediatria era ainda pouco conhecida entre nós. Surgiu na sequência dos seus estudos no Reino Unido, onde teve oportunidade de conhecer pessoalmente Mary Sheridan. O Centro de Desenvolvimento do HSM tornou-se num importante polo de formação e de difusão de práticas na Pediatria do Desenvolvimento, realizando acções de formação e recebendo estagiários de todo o país.
A par destes acontecimentos, no final da década e 70 e década de 80 foram criados Centros de Desenvolvimento noutros hospitais públicos como o Hospital Pediátrico de Coimbra – importante centro de referência na zona centro – no Serviço de Pediatria do Hospital S. João no Porto e, progressivamente, noutros hospitais.
O interesse crescente nesta área levou à constituição, em 1987, da Secção de Pediatria do Desenvolvimento da Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP), posteriormente denominada Sociedade de Pediatria do Neurodesenvolvimento (SPND-SPP). Esta iniciativa partiu de um grupo de pediatras, neuropediatras, geneticistas e pediatras especializados em doenças metabólicas, com o objetivo de reunir os diversos profissionais envolvidos nesta área com uma perspetiva transdisciplinar. Outro marco importante, foi a criação de Ciclos de Estudos Especiais de Pediatria do Neurodesenvolvimento que têm vindo a ser realizados com regularidade desde 1999.
Nos últimos anos, a palavra Desenvolvimento (termo geral que inclui o desenvolvimento físico) tem vindo a ser substituído por Neurodesenvolvimento para refletir a base neurológica dos comportamentos que são observados nos processos de desenvolvimento típicos e atípicos. Este conceito foi também integrado no DSM-5 ao agrupar um conjunto de condições num novo capítulo intitulado “Perturbações do Neurodesenvolvimento”.
Esta terminologia tem sido adotada na Europa, por exemplo, pela criação de mesas de “Neurodevelopmental Pediatrics” em congressos como o Excellence in Pediatrics (2014, 2016), pelo reconhecimento do trabalho dos “neurodevelopmental paediatricians” no âmbito da Surveillance of Cerebral Palsy in Europe (SCPE) – Radsel et al., 2016; nos EUA (Division of Neurodevelopmental Pediatrics, University of Florida College of Medicine); e na Austrália (Neurodevelopmental and Behavioural Paediatric Society of Australasia).
De igual forma, é crescente o número de hospitais portugueses a adotar esta designação para as suas unidades e consultas nesta área, que representa já 20% das consultas pediátricas nos hospitais públicos.
Publicado em 2014, atualizado em 2019
Bibliografia:
- APA (2014). Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais. Climepsi: Lisboa.
- Gouveia R (2015). O Neurodesenvolvimento: alguns dados históricos. In: Lima CB (ed). Perturbações do Neurodesenvolvimento: manual de orientações diagnósticas e estratégias de intervenção.
- Haggerty RJ, Friedman SB (2003). History of developmental-behavioral pediatrics. J Dev Behav Pediatr. 2003 Feb;24(1 Suppl):S1-18.
- Oliveira G (2011). A Pediatria do Neurodesenvolvimento, o que é? Acta Pediatr Port 2011:42(4):LX I-III.